terça-feira, 28 de abril de 2009

Rosa



Sempre fui uma pessoa de muita sorte. Começou quando nasci, pois enquanto todas as crianças tem apenas uma mãe, eu tive duas. Uma delas, a que me criou e me ensinou as artes da vida se chamava Rosa. Rosa em flor, em botão. Um dia, murchou e morreu, como todas as flores-rosa que também não vivem muito. Só o suficiente para espalhar a sua presença e deixar sua lembrança. Que vira saudade, como a que sinto agora.

Rosas são flores fortes mas sensíveis, têm espinhos e delicadeza. Minha mãe também era assim. Mulher à frente de seu tempo, pobre de dinheiro, rica em ética, idéias adiantadas criou e fez sua filha mulher. Se sou o que sou, devo a ela, apesar de ter-me deixado tão cedo. Partiu. Uns disseram-me que foi para o céu. Acho que sim, afinal, para onde vão as mães pobres, que só amaram, trabalharam, criaram filhos, choraram e venceram? Mães assim não tem pecados, não tem culpas e precisam de um lugar tranqüilo para descansar. Acho que esse lugar é o céu...


(Fotografia: Maria de Fátima Garcia)

domingo, 5 de abril de 2009


O Cheiro da Hortelã

Após o degelo de espessas camadas de neve
Do inverno brutal em Glasgow
despertam as plantas adormecidas,
rasgando os primeiros brotinhos
no tamanho de um grão de arroz.

Esse desabrochar de vida consta numa mensagem,
Vinda dessa terra tão inóspita e longínqua
E me reporta:
Ao cheiro da hortelã macerada com açúcar
À espera do leite tirado na hora,
Em manhãs frias de inverno,
Envolta pela névoa suave

Com as plantações de feijão,
Capim de pasto, laranjeiras, tangerinas,
Pessegueiros, Ah! Estes suas flores
Eram maravilhosas e perfumadas,
Pimenteiras, apreciadas pelos caprinos, a
Devorá-las enquanto pulavam e berravam,
Sem com isto parar de comê-las.

Tudo encharcado pelo orvalho gelado e
Coberto pela serração
Vinda do Rio Pardo com suas águas barrentas,
Ancoradouro de uma canoa, a fazer;
Travessia para a margem de lá,
Na fazenda Entre Rios,
Onde havia a escola, que íamos a pé.
Por um caminho ladeado pela pródiga natureza,
A oferecer
Cajus, araçás, marolos, pitangas e gabirobas,
Num misto de perfumes e sabores indescritíveis
Convivendo com:
Emas, veados, serpentes, quatis, tatus e tantos outros.

Na margem de cá a magia do sítio,
Com a casa de taipa, branquinha de cal;
Acolhendo todos ao redor de seu fogão à lenha,
A estalar e espalhar fagulhas das labaredas,
Em doces cantigas
A embalar
Os desejos de calor e alimento...

Ah! Já faz tanto tempo,
Mas posso sentir,
O cheiro da hortelã como se fora neste instante.
Mas cadê o tempo?
Meu Deus! O que significa esse retorno à infância?
Memória de cheiros perdidos
Junto com algo, que
Talvez, nunca mais tenha encontrado...
(Poema: Maria Aparecida Damin
Fotografia: Maria de Fátima Garcia)